Nagotização x Desnagotização


Nagotização x Desnagotização


Nagotização

O candomblé é uma religião afro-brasileira, ou seja, é um culto de origem africana que passou por um processo de adaptação aqui no Brasil. Durante a época da escravidão vieram muitos povos africanos e estes foram misturados em navios negreiros. Os primeiros a pisar no solo brasileiro foram os Bantos que são da região de Congo e Angola entre outros países vizinhos. Eles eram escolhidos conforme a necessidade e habilidades que os mesmos tinham. Como no inicio, a escravidão era muito forte, eles não conseguiram implantar seus costumes religiosos aqui. Tempos depois, chegaram aqui os povos nagôs, que eram negros mais fortes e encontraram menos contrários a dar continuidade aos credos que praticavam na África. Assim, por volta do ano 1830, estes conseguiram abrir oficialmente o primeiro terreiro de Candomblé, o Ile Ase Iya Naso(Casa de Mãe Naso- título de umas das três sacerdotisas que o formou), de nação Ketu, em Salvador.

Décadas depois, foi registrado o primeiro terreiro de nação Angola, conhecido por Nzo Tumbenci e dele nasceram outros e outros terreiros desta nação. Entretanto, viu-se necessário a nagotização, pois tinha sido esquecido os fundamentos dos minkisi(pluram de Nkisi), tanto que ainda hoje não se tem muitos documentos da cultura banto. Assim, atualmente, grande parte dos terreiro de nação Angola não detém conhecimento sobre tal cultura e termina cultuando orisa ou nkisi nagotizado. Isso aconteceu também com todas as outras nações de candomblé.


Desnagotização


Nos últimos anos deu-se inicio a um processo de resgate de cultura banto, ou seja, após estudos e comprovação de que a nação Angola deve cultuar divindades na forma de nkisi, os sacerdotes começaram a desnagotização, ou seja, filtrar o que não era cultura banto e se aprofundar nesta. Assim sendo, muitos terreiros estão passando por mudanças e isso resulta na importância urgente de ir à África, mais propriamente aos países de Congo e Angola, para trazer fundamentos que foram perdidos nos navios negreiros.

O panteão banto é muito extenso e um grande diferencial desta nação é a não existência de qualidades de santo. O que seria no ketu uma qualidade, na nação Angola é uma outra divindade, muitas vezes família do mesmo. Embora poucos conheçam, mas os minkisi possuem suas próprias lendas, rezas, cantigas, danças, toques e tudo o que necessita para andar sozinha, sem haver nenhuma adoção de costume nagô.

Essa questão de desnagotização tem gerado muita polêmica entre os sacerdotes. Um dos pontos que mais pesa para que se der inicio ao mesmo é a questão de que no momento que se passa a não querer cultuar nkisi com os fundamentos do orisa, passa-se a impressão de que os mais velhos estavam fazendo errado e o candomblé é uma religião de raiz, de grande valorização aos mais velhos, de respeito e culto aos ancestrais. Acredita-se que quando morremos, se tivermos alcançado um certo nível de evolução, poderemos estar nesse mundo na forma de ser divinizado e merecedor de culto. Isso tem feito muitos continuarem presos à nagotização e assim, enfraquecendo a própria nação. Nós, tatas e mametus nkisi temos que nos conscientizar de que a mistura de nação foi um processo não de escolha, por acharem o mais certo , mas sim de única opção que nossos mais velhos tiveram para continuar o culto a nossas divindades. Era isso ou nada. Sem sombra de dúvidas, eles teriam opinados a cultuar puramente o nkisi se tivessem tido esta opção. Precisamos urgentemente fazer um estudo e divulgar esse culto, tendo visto que além de muito amplo, é um culto muito cheio de grandes riquezas culturais e isso não podemos deixar no esquecimento.

A desnagotização faz uma mudança que vai desde a língua até mesmo aos costumes, rezas, cânticos, danças, comidas, ritos(de sacudimentos aos iniciáticos), simbologia das cores, divindades, visão em relação ao mundo. Ou seja, é mesmo um processo muito complexo e que precisa ser feito passo a passo, caso contrário, as próprias divindades deixarão de se conhecer, tendo visto que já foram iniciadas com costume ketu e, se de um dia para o outro, passarmos a cultuá-los diferentes, ficarão no vago. Antes da iniciação, costumo dizer, que o nkisi é uma energia, como uma massa em que o iniciador vai formatar, ou seja, vai adequar à cultura(seja banto, nagô ou qualquer outra).

Mesmo os que começaram a cultuar nkisi separado da cultura nagô à anos atrás, ainda hoje não se cultua igual acontece na África, tendo visto que muitos fatores impedem essa aproximação, desde o cotidiano até os tipos de natureza e de acesso aos fundamentos, como plantas e animais que têm lá e que aqui se tiver é de raro acesso. O que se deve não é fazer culto idêntico ao que acontece na África, pois isso desconfiguraria o que se chama de Candomblé, um culto afro-brasileiro, e passaria a ser um culto puramente africano. Não seria mais a mesma religião. Mas é necessário que se faça esse resgate de cultura e aconteça a desnagotização.

Na nação Angola são usadas duas línguas, o kimbundo vinda de Angola e o Kikongo vinda de Congo. No dia-a-dia faz-se uma mistura de ambas nas cantigas, rezas e até mesmos quanto aos nomes que se dar às divindades. Se fôssemos separar essas duas nações, existiria santo de uma que não pertence a outra e existe os que pertencem a ambas mas com nomes diferentes, como Nkosi e Hoxi. O MUKISi(ou mukishi/mukixi) é como se chama no kimbundo e NKISI é como se chama no kikongo.

O culto de ambos(mukisi e nkisi) é mesmo muito parecido e devido a aproximação territorial(Congo e Angola) foi que se deu essa união.


Texto de Tata Mutaruessy(Pai Samuel Esmeraldo)

Nenhum comentário:

Postar um comentário